sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Porque Participar Do Livro AI-5 * Professora Dalva silveira - MG

AI-5 COLETÂNEA DE TEXTOS E POESIA
Organização:
Rogério Salgado
Baroni Edições
Belo Horizonte - MG 2016
*
Porque participar do livro AI-5?
Dalva Silveira*
Quando o poeta Rogério Salgado me fez o convite para participar da coletânea de textos AI-5, aceitei prontamente e fiquei muito feliz pela valiosa oportunidade de rememorar esse tema. Escrevi, então, um artigo sobre os efeitos do Ato Institucional nº 5 na cultura brasileira, assunto que me acompanhou durante as minhas pesquisas acadêmicas. No mestrado, entre outras coisas, analisei suas influências no encerramento prematuro da carreira do compositor Geraldo Vandré. O trabalho resultou no livro Geraldo Vandré: a vida não se resume em festivais. Já no doutorado, estudei o papel representado por esse Ato no fechamento de nada menos que oito publicações de um grupo de jornalistas da imprensa alternativa paulista dos anos de 1970.
A ideia do livro AI-5 nasceu do encontro entre cinco poetas, no dia 1º de abril de 2014, durante um evento sobre os 50 anos do Golpe Militar no Brasil. Assim, com espírito da coletividade, do sentimento de partilha e idealismo da resistência dos anos 60, esses vêm, agora, publicar seus poemas, registrando, ainda, o depoimento de uma das vítimas da ditadura, bem como as análises de duas estudiosas do assunto. O livro foi, portanto, lançado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, no significativo dia 13 de dezembro de 2016, num momento em que essas e outras iniciativas que buscam recolocar em pauta os valores democráticos no Brasil se mostram mais que oportunas, imprescindíveis.
Para relembrar o AI-5, é fundamental remeter aos eventos de 1968. A efervescência desse fatídico ano, no Brasil, está inserida num contexto global de protestos e acontecimentos que marcaram a década de 1960. A historiadora Christina Rodrigues, também presente no livro AI-5, mostra que, diante de um cenário no qual “os movimentos democráticos internacionais tinham repercussão no Brasil, os Generais optaram por uma atitude drástica; o AI-5 [...] assinado por Arthur da Costa e Silva, no dia 13 de dezembro de 1968” (p. 44).
No breve texto que tive a oportunide de escrever para o livro, lembro que, em 1968, além das influências externas, os movimentos de contestação no país vinham se radicalizando, em resposta ao endurecimento do regime militar. Sendo assim, pode-se apontar como um dos principais objetivos da promulgação do AI-5 o esmagamento dessa resistência ao governo ditatorial. A partir daquele momento, assistimos ao fim das liberdades democráticas. Então, o governo militar assumiu sua face mais repressiva: censurou os meios de comunicação e as manifestações artísticas que não correspondiam ao ideal da “Revolução de 1964”. As mudanças que daí decorreram, como procuro demonstrar, foram desastrosas para a cultura brasileira:
Com a promulgação do AI-5 e a subsequente implantação e consolidação da indústria cultural, essa ideologia de transformação do mundo, tão presente na arte brasileira dos anos 60, em particular na música popular, foi substituída por outros valores (p. 56).
Na análise que apresento do contexto cultural brasileiro à sombra do AI-5, cito um depoimento de Zuenir Ventura, em que o escritor observou, ainda em meados do ano de 1973, a intensificação de uma cultura essencialmente comercial, padronizada e sem pretensões de originalidade, cujo objetivo era distrair e impedir tudo que levasse a “fazer pensar”. Essa tendência, como ainda ressalto no artigo, assinalou “uma direção para a cultura veiculada, nas décadas posteriores, pela maioria dos canais de comunicação da tradicional mídia brasileira” (p. 57).
O AI-5 também foi responsável pela liquidação dos protestos políticos e pela violenta perseguição às pessoas consideradas “subversivas” pelo regime ditatorial. No livro, trecho da poesia de Irineu Baroni presentifica esses momentos:
Olho (novamente) para trás:
estou sendo seguido
embora o caminho
não exista mais... (p. 25).
Houve, também, muitas prisões e o do uso da tortura, fatos evidenciados nos versos de Rogério Salgado:
daí veio a dor
em forma de telefones, paus de araras
afogamentos e estupros (p. 35).
A revogação do AI-5 só ocorreu em 1º de janeiro de 1979. Essa foi acompanhada por uma lei de anistia, publicada em agosto desse mesmo ano, que não levou em consideração a indiscutível necessidade de responsabilização pelos crimes cometidos. Isso cooperou para o enraizamento da prática da impunidade no país e para a perpetuação de uma cultura de violência e desrespeito aos direitos humanos, a que assistimos constantemente no nosso cotidiano.
Frente a essa realidade, torna-se necessário rememorar, discutir, esclarecer e repassar às novas gerações as atrocidades fomentadas pelo AI-5. Ainda mais num tempo sombrio como este que presenciamos atualmente. Neuza Ladeira, que foi prisioneira política entre os anos de 1970 e 1972, em seu depoimento, também publicado na coletânea, nos fala dessa necessidade:
Foram tempos tortuosos para todos os brasileiros. Sofremos na pele o que significa um regime de exceção. Admito que não esperei estar aqui hoje. Agora mais que nunca devemos falar da quebra da liberdade de comunicação. Estamos em tempo de partidos, tempos de homens partidos (p. 65).
Sendo assim, este livro é fundamental para entendermos e reagirmos ao momento atual, porque, como relata o secretário de Estado de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, no seu prefácio, “Os poetas, como se sabe, enxergam na escuridão. Têm a perigosa mania de ordenar as palavras para dizer o indizível” (p. 6). Os poetas, também, nos enchem de esperanças, sentimento muito necessário no contexto em que vivemos. Então, partilho com vocês alguns trechos de poemas presentes na coletânea, carregados desse sentimento, ainda na esperança de que eles contribuam para a sempre necessária resistência a toda forma de opressão.
Em um desses poemas, Helenice Maria Reis Rocha confessa que, “naqueles tempos”,
Presos, de madrugada
E livres
Ninguém nos alcançava
Desprezávamos os exércitos de loucos (p. 15).
E Petrônio Souza Gonçalves deixa uma importante reflexão:
A vida não se estacionou no que passou,
Não é o vento que pousou na janela,
A tempestade que ficou aprisionada
na sala de espera
A vida não é um lugar;
É onde você está.
E segue sempre,
Invariavelmente,
Na busca da eterna primavera (p. 32).
Finalmente, esperemos que se cumpram os versos de Bilá Bernardes, para quem o período da ditadura militar:
Foi tempo de aprendizado
Guardado no passado
Para não repetir (p. 11).


BERNARDES, Bilá et al. AI-5. Belo Horizonte: Baroni Edições, 2016. 72 p.
Projeto gráfico da capa, contracapa e miolo: Irineu Baroni
Preço de lançamento: R$ 20,00
Contatos: Rogério Salgado (31 98421-6827) – Irineu Baroni (31 99796-9693)


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*Dalva Silveira nasceu em Belo Horizonte/MG. Graduou-se em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e concluiu sua especialização em Ensino Técnico pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG). Defendeu o mestrado e o doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), respectivamente com os títulos A vida não se resume em festivais: um estudo das representações sobre Geraldo Vandré na imprensa brasileira (1966-2009); e A “Turma do Ex-” e a ditadura militar: os oito anos de guerrilha jornalística e seu legado. Atualmente, desenvolve pesquisas sobre o período da ditadura militar, com ênfase no campo da música e da imprensa alternativa das décadas de 1960 e 1970. É autora de Geraldo Vandré: a vida não se resume em festivais (Fino Traço, 2011), além de artigos e também outros livros em coautoria. E-mail: dalvasilveira@yahoo.com.br. 

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

O Hábito De Ler - Por Iram Saraiva / Antonio Cabral Filho - RJ


O Hábito De Ler - Por Iram Saraiva*
O costume de ler o brasileiro não tem. Por isso, quase nada vê, pouco ouve, e fala com uma dificuldade espantosa.
Não vejo outra razão, que não seja a falta de leitura, para tanta servilidade de uma nação inteira. É a própria ausência de dignidade ante aqueles de quem se depende.
Aqui, Executivo, Legislativo e Judiciário não são poderes. São patrões. Lamentável constatação que, com certeza, deixaria triste Montesquieu, o idealizador da divisão dos poderes, na mesma proporção vivida por Santos Dumont ao ver a sua criação, o avião, usada na ordem inversa do que sonhava, qual seja, a paz.
O que o hábito de ler poder fazer ao homem?
No primeiro momento, abre a possibilidade de visão pessoal, o que equivale dizer, enxergar o mundo da forma que ele é, e não do jeito que contam que é.
Depois, ensina ouvir conforme alguém expressou e não na intenção distorcida com a qual, muitas vezes, as palavras são usadas.
Finalmente, afasta o bloqueio do não saber e de se manifestar sem conteúdo e reflexão.
De posse desses três requisitos não há quem não aprenda a pensar, fato que evita que aconteça a previsão de Montesquieu: “Quanto menos os homens pensam, mais eles falam”.
Mas também não conheço um homem sequer que consiga raciocinar sem ter o hábito de ler. Sem conhecimento o cérebro é um moinho que apenas tritura o vazio.
Quem não lê não tem ideias ou convicções, porque o seu alcance só vai até o limite que a ignorância permite: nada.
Há sempre um livro pronto para nos ensinar. A questão é que ele é esquecido em cima de um móvel qualquer todo coberto de poeira.
Fossemos um povo letrado aquele que nos governa, por força do hábito, também o seria, e erraria menos. Nação culta não aceita ser conduzida como o gado é levado ao matadouro.
Já vi inúmeras passeatas, o mesmo tanto de protestos, milhares de faixas “Fora” isso ou aquilo nos finais de semana, e, na segunda-feira, segue a vida normalmente como se nada houvesse acontecido. Ou melhor, quando não piora um pouquinho mais. É muita resignação para o meu gosto.
Às vezes, penso que as redes sociais funcionam, para os seus usuários, como vingança suficiente contra os fatos e seus ocasionadores, pois bastam charges, piadinhas, fotos denunciativas para acalmar a fúria quase santa da galera que também participou dos protestos de rua.
Meu amigo, poderes não temem passeatas e nem charges. Governo morre de medo é de povo culto, que lê e sabe dos seus direitos originários. Portanto, vamos ler, com o propósito de saber, que, talvez, daqui cinco décadas essa gente seja varrida da nossa história.

(Iram Saraiva, ministro emérito do Tribunal de Contas da União, )https://impresso.dm.com.br/edicao/20161214/pagina/19/conteudo/opiniao/2016/12/o-habito-de-ler.html )