AI-5 COLETÂNEA DE TEXTOS E POESIA
Organização:
Rogério Salgado
Baroni Edições
Belo Horizonte - MG 2016
*
Porque
participar do livro AI-5?
Dalva
Silveira*
Quando
o poeta
Rogério Salgado me fez o convite
para participar da coletânea de textos AI-5,
aceitei prontamente e fiquei muito feliz pela valiosa oportunidade
de rememorar esse tema. Escrevi, então, um artigo sobre os efeitos
do Ato
Institucional nº 5
na
cultura brasileira, assunto que me acompanhou durante as minhas
pesquisas acadêmicas. No mestrado, entre outras coisas, analisei
suas influências no encerramento prematuro da carreira do compositor
Geraldo Vandré. O trabalho resultou no livro Geraldo
Vandré: a vida não se resume em festivais.
Já no doutorado, estudei o papel representado por esse Ato no
fechamento de nada menos que oito publicações de um grupo de
jornalistas da imprensa alternativa paulista dos anos de 1970.
A ideia do livro
AI-5
nasceu do encontro
entre
cinco
poetas, no dia 1º de abril de 2014, durante um evento sobre os 50
anos do Golpe Militar no Brasil. Assim, com
espírito
da coletividade,
do sentimento de partilha e idealismo da resistência dos anos 60,
esses vêm, agora, publicar seus poemas, registrando,
ainda, o depoimento de uma
das vítimas da ditadura, bem como as análises de duas estudiosas do
assunto.
O livro foi, portanto, lançado
na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, no significativo dia 13 de
dezembro de 2016, num momento em que essas e outras iniciativas que
buscam recolocar em pauta os valores democráticos no Brasil se
mostram mais que oportunas, imprescindíveis.
Para relembrar o
AI-5, é fundamental remeter aos eventos de 1968. A efervescência
desse fatídico ano, no Brasil, está inserida num contexto global de
protestos e acontecimentos que marcaram a década de 1960. A
historiadora Christina Rodrigues, também presente no livro AI-5,
mostra que, diante de um cenário no qual “os movimentos
democráticos internacionais tinham repercussão no Brasil, os
Generais optaram por uma atitude drástica; o AI-5 [...] assinado por
Arthur da Costa e Silva, no dia 13 de dezembro de 1968” (p. 44).
No breve texto que
tive a oportunide de escrever para o livro, lembro que, em 1968, além
das influências externas, os movimentos de contestação no país
vinham se radicalizando, em resposta ao endurecimento do regime
militar. Sendo assim, pode-se apontar como um dos principais
objetivos da promulgação do AI-5 o esmagamento dessa resistência
ao governo ditatorial. A partir daquele momento, assistimos ao fim
das liberdades democráticas. Então, o governo militar assumiu sua
face mais repressiva: censurou os meios de comunicação e as
manifestações artísticas que não correspondiam ao ideal da
“Revolução de 1964”. As mudanças que daí decorreram, como
procuro demonstrar, foram desastrosas para a cultura brasileira:
Com a promulgação do AI-5 e a
subsequente implantação e consolidação da indústria cultural,
essa ideologia de transformação do mundo, tão presente na arte
brasileira dos anos 60, em particular na música popular, foi
substituída por outros valores (p. 56).
Na análise que
apresento do contexto cultural brasileiro à sombra do AI-5, cito um
depoimento de Zuenir Ventura, em que o escritor observou, ainda em
meados do ano de 1973, a intensificação de uma cultura
essencialmente comercial, padronizada e sem pretensões de
originalidade, cujo objetivo era distrair e impedir tudo que levasse
a “fazer pensar”. Essa tendência, como ainda ressalto no artigo,
assinalou “uma direção para a cultura veiculada, nas décadas
posteriores, pela maioria dos canais de comunicação da tradicional
mídia brasileira” (p. 57).
O AI-5 também foi
responsável pela liquidação dos protestos políticos e pela
violenta perseguição às pessoas consideradas “subversivas”
pelo regime ditatorial. No livro, trecho da poesia de Irineu Baroni
presentifica
esses momentos:
Olho (novamente) para trás:
estou sendo seguido
embora o caminho
não exista mais... (p.
25).
Houve, também,
muitas prisões e o do uso da tortura, fatos evidenciados nos versos
de Rogério Salgado:
daí veio a dor
em forma de telefones, paus de
araras
afogamentos e estupros (p.
35).
A revogação do
AI-5 só ocorreu em 1º de janeiro de 1979. Essa foi acompanhada por
uma lei de anistia, publicada em agosto desse mesmo ano, que não
levou em consideração a indiscutível necessidade de
responsabilização pelos crimes cometidos. Isso cooperou para o
enraizamento da prática da impunidade no país e para a perpetuação
de uma cultura de violência e desrespeito aos direitos humanos, a
que assistimos constantemente no nosso cotidiano.
Frente a essa
realidade, torna-se necessário rememorar,
discutir, esclarecer e repassar às novas gerações
as atrocidades fomentadas pelo AI-5. Ainda
mais num tempo sombrio como este que presenciamos atualmente. Neuza
Ladeira, que foi prisioneira política entre os anos de 1970 e 1972,
em seu depoimento, também publicado na coletânea, nos fala dessa
necessidade:
Foram tempos
tortuosos para todos os brasileiros. Sofremos na pele o que significa
um regime de exceção. Admito que não esperei estar aqui hoje.
Agora mais que nunca devemos falar da quebra da liberdade de
comunicação. Estamos em tempo de partidos, tempos de homens
partidos (p. 65).
Sendo
assim, este livro é fundamental para entendermos e reagirmos ao
momento atual, porque, como relata o secretário de Estado de
Direitos Humanos, Nilmário Miranda, no seu prefácio, “Os poetas,
como se sabe, enxergam na escuridão. Têm a perigosa mania de
ordenar as palavras para dizer o indizível”
(p.
6). Os poetas, também, nos enchem de esperanças,
sentimento muito necessário no contexto em que vivemos. Então,
partilho com vocês alguns trechos de poemas presentes na coletânea,
carregados desse sentimento, ainda na esperança de que eles
contribuam para a sempre necessária resistência a toda forma de
opressão.
Em
um desses poemas, Helenice
Maria Reis Rocha confessa que, “naqueles tempos”,
Presos,
de madrugada
E
livres
Ninguém
nos alcançava
Desprezávamos
os exércitos de loucos (p.
15).
E Petrônio
Souza Gonçalves deixa uma importante reflexão:
A vida não
se estacionou no que passou,
Não é o
vento que pousou na janela,
A
tempestade que ficou aprisionada
na sala de
espera
A vida não
é um lugar;
É onde
você está.
E segue
sempre,
Invariavelmente,
Na busca da
eterna primavera (p.
32).
Finalmente,
esperemos que se cumpram os versos de Bilá Bernardes, para quem o
período da ditadura militar:
Foi tempo de aprendizado
Guardado no passado
Para não repetir (p.
11).
Projeto
gráfico da capa, contracapa e miolo: Irineu Baroni
Preço
de lançamento: R$ 20,00
Contatos:
Rogério Salgado (31 98421-6827) – Irineu Baroni (31 99796-9693)
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*Dalva
Silveira nasceu em Belo
Horizonte/MG. Graduou-se
em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e
concluiu sua especialização em Ensino Técnico pelo Centro Federal
de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG). Defendeu o
mestrado e o doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), respectivamente com os
títulos A vida não se
resume em festivais:
um estudo das representações sobre Geraldo Vandré na imprensa
brasileira (1966-2009); e A
“Turma do Ex-”
e a ditadura
militar: os oito anos
de guerrilha jornalística e seu legado. Atualmente, desenvolve
pesquisas sobre o período da ditadura militar, com ênfase no campo
da música e da imprensa alternativa das décadas de 1960 e 1970. É
autora de Geraldo
Vandré: a vida não
se resume em festivais (Fino Traço, 2011), além de artigos e também
outros livros em coautoria. E-mail: dalvasilveira@yahoo.com.br.